Ana Stoppa - Escritas, Versos & Reversos

Se não puder alcançar as estrelas agradeça a Deus por vê-las. (Ana Stoppa)

Textos


A Procissão


Eu quero me vestir de anjo!
- Disse a menina ruiva, na época com não mais do que seis anos de idade.
- Mas porque esta vontade agora minha filha, você nem gosta de andar muito, toda vez que saímos seu pai tem que te carregar, você vive chorando. Assim respondeu a mãe para a teimosa filha.
Mais mãe – disse a menina, quero uma roupa de anjo bem branquinha com brilho e a coroinha de três estrelas.
Mãe – você me compra um tercinho também?
Minha filha a procissão vai por aquela subida você não vai agüenta andar nem a metade – uma vez mais advertiu a mãe.
Mãe – você me compra os sapatos brancos também?
A menina estava com idéia fixa – queria se paramentar de anjo.
Percebendo que não adiantaria mais dar o contra e pensando também no valor espiritual do ato, a mãe enfim concordou com o pedido.
Levou a menina até a costureira para fazer a túnica de cetim branco e a faixa azul celeste do mesmo tecido.
O par de asas e a coroinha foram comprados no dia seguinte.
Uma semana antes da procissão a roupa ficou pronta.
A partir de então, todos os dias a menina experimentava a vestimenta contando os dias para enfim realizar o desejo.
Os sapatos – Mãe você não vai me comprar os sapatos brancos? Indagou a menina.
Com tantos afazeres a mãe acabou por procurar na última hora os sapatos a fim de complementar a vestimenta.
Chamou a filha e ambas se dirigiram á uma sapataria do bairro.
Passava das cinco da tarde. A menina teria que estar em frente à igreja – lugar de saída da procissão no máximo até as seis e meia.
Logo, encontrariam os sapatos brancos naquela loja ou teria que ir com os usados – coisa que a menina não aceitava.
Senhora, no número que a menina calça tem somente estes dois pares na cor branca – disse a vendedora.
A menina calçava na verdade número trinta e dois.
Ao examinar os sapatos antes da filha provar a mãe observou que ambos os pares marcavam o número trinta.
Normalmente é assim, se a loja não tem o número no modelo solicitado tenta empurrar o menor sob o argumento de que com o tempo de uso o couro cede...
- Filha escolhe outra cor, estes não servem para você – disse a mãe.
- Senhora experimente na criança, o fabricante desta marca usa formas grandes, com certeza serve para a menina.
Os minutos transcorriam rapidamente, tinham horário para estar na igreja não poderiam demorar na escolha.
- Mãe quero experimentar estes aqui cheios de furinhos e florzinha do lado, indicou Lara – este era o nome da criança.
Lara preste atenção são pequenos para você – escolha outro modelo, outra cor, olha só como ficaram apertados você esqueceu da subida que vai ter de andar a pé? – Uma vez mais advertiu a mãe.
- Mãe eu quero estes, disse a teimosa menina já em tom choroso.
Vendo que não tinha mesmo jeito, comprou para a filha o par de sapatos brancos com furinhos e florzinhas dos lados, dois números menores.
Chegaram em casa. A menina correu para se vestir, estava deslumbrada.
Enfim o sonho seria realizado. Sairia no cortejo religioso vestida de anjo com as asinhas de pena e a coroa com três estrelinhas.
Calçou o par de meias soquete e os sapatos, pegou o tercinho e lá se foi com os pais para porta da igreja de onde sairia a procissão.
Não demorou quase nada, bastou a menina andar um quarteirão para a mãe perceber que esta caminhava com dificuldades - obvio em razão dos sapatos apertados.
O soar dos sinos indicaram que o cortejo sairia em poucos minutos.
A mãe, sempre preocupada com a filha se colocou o mais próximo que pode a fim de observar.
Na descida do percurso a menina se manteve firme segurando o tercinho e a vela acesa.
A cantoria religiosa se revezava com orações – era dia da padroeira.
Após íngreme descida – a igreja se situava no topo de colina, os fieis foram conduzidos para o retorno – hora da subida.
Lara demonstrava sinais de dor nos pés em razão dos sapatos apertados.
Não demorou para se esquecer da vestimenta angelical e sem a menor cerimônia chorar copiosamente.
Os fiéis enfileirados logo atrás do cortejo de anjos dentre os quais se encontrava a menina com os sapatos apertados prestavam atenção no berreiro.
A mãe percebendo o sofrimento tentava falar baixinho para a menina tirar os sapatos.
Que nada, mesmo chorando seguiu até o final o cortejo, calçando o par de sapatos dois números menores.
Na benção final, fogos espocaram iluminando o céu estrelado.
Lara, sentou-se em um dos degraus da igreja adormeceu sob o olhar dos pais, sem tirar os sapatinhos.
Recebeu colo no longo trajeto de volta.
O pai deitou-a na cama, enquanto que a mãe tirava os sapatinhos brancos com furinhos e florzinhas do lado.
Nos pés bolhas - uma semana de molho sem poder ir ao colégio.
Satisfeita contava a todos a proeza, a realização do sonho de se vestir de anjo - túnica branca de cetim, faixa azul celeste, coroinha com três estrelas, tercinho e os desejados sapatos brancos comprados na última hora dois números menores.
Toda vez que fala no assunto, (muitos anos se passaram), relembra a conquista do sonho em se vestir de anjo e cumprir o ptrajeto da procissão até o fim calçando os sapatos apertados.
No cotidiano às vezes as situações se assemelham ao propósito da menina Lara.
Quando se tem um objetivo a  disciplina e a determinação são fundamentais para alcançá-los.
                                                                                   (Ana Stoppa )






Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 02/02/2011
Alterado em 17/02/2011
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