Feliz Ano Novo
Com o final do ano morre um pouco mais a esperança dos que não tem ninguém. O trânsito congestionado, embora as fábricas na maioria estejam em férias, coletivas, o comércio vazio, pois nestes dias que, antecederam ao Natal, muitos gastaram o que não podiam, na esperança de através de um presente fazer alguém feliz. E nesta tentativa por vezes sem qualquer vaidade, as relações entre as pessoas vão se esfriando. - Feliz Ano Novo fulano, que todos os seus ideais se concretizem! - Feliz Ano Novo jovens, em fase de vestibular, que o sufoco da disputa seja vencido, e seu lugar na Universidade garantido! E vocês, pais, filhos, velhos, jovens, homens e mulheres de todo o credo e cor, que no ano novo vindouro a saúde prevaleça, o emprego garantido e o teto uma realidade. – Que vocês tenham muita paz e prosperidade. E vão se desfiando em longo rosário os votos e mais votos para o ano vindouro. Paro meio forçada num farol, pois com o trânsito lento e qualquer paciência se esgota. No rádio ouço notícias a respeito da escassez de alimentos, do estado de sítio e dos pedidos de asilo vindos da Polônia. - Feliz Ano Novo para vocês irmãos, que tudo se resolva sem derramamento de sangue, e isto deus há de ouvir. Como se não bastasse a lentidão do transito, ouve-se a sirene de uma viatura policial. Na certa mais um pedido de socorro para assaltos, crimes ou quem sabe para atender a emergências de uma parturiente... Prossigo dirigindo lentamente, paro defronte a um asilo e resolvo entrar. Espalhados num imenso jardim, lá estão nossos ascendentes, uns sentados amuados, fechados na lembrança do passado, outros caminham de um lado para outro, para que assim talvez o tempo seja breve... Acho o quadro bastante triste, será que para esta gente vale a pena simplesmente desejar um feliz Ano Novo? – Acho que não, pois a ausência ou abandono pelos entes queridos não será preenchida pelo desejo quase vago de um Ano Novo feliz. É preciso nossa presença constante ao lado de pessoas, que arduamente construíram nosso recente passado, é preciso nosso carinho, nosso respeito e acima de tudo gratidão. Não posso perder tempo, deixei alguns presentes, acho que perante a sociedade fiz minha obrigação. Tenho que chegar ao trabalho e já estou atrasada. Fica na minha cabeça um emaranhado de pensamentos, penso nas crianças abandonadas, pobres marginalizados precoces, sequer tiveram chance de mostrar seu valor. E hoje na passagem de mais um ano, tudo é igual para ele, coitados, uns revoltados, outros em sono profundo, indiferentes aos acontecimentos... Nas prisões, vilões, mocinhos, inocentes e culpados, todos num barco só, na certa pelo menos no coração de alguns deles baterá a tristeza da solidão, o arrependimento do crime cometido, a revolta por não conseguir provar inocência, ou simplesmente a indiferença na passagem de mais um ano. A essa gente, pessoas que nasceram puras como nós, mas que por qualquer motivo lá se encontram, que Deus tenha pena, reintegrando-os, redimindo-os. Não posso continuar, dou inicio ao trabalho, mas em minha mente persiste a idéia de concluir estes votos de um feliz Ano Novo. Numa auto-analise relâmpago, sinto-me mero membro de uma sociedade de consumo, com nada para pedir a Deus e com tão pouco dado ao próximo, resumindo minhas caridades em donativos financeiros, roupas velhas e quando muito, visitas natalinas a casas de caridade. Na noite de 31 de dezembro, mesa farta, tudo regado a champanhe, e o que poderia ser melhor se os parentes estão ali reunidos também. Então, e o irmão na prisão? O menor abandonado? Os velhos nos asilos? E por que não dizer também das pobres mulheres da vida? Estas na certeza não terão ao menos um abraço sincero desejando-lhes feliz Ano Novo. Como fica o Ano Novo para esta gente toda? Como ficamos nós diante de tanta tristeza que envolve estas pessoas? Conseguiremos cantar alegremente o tradicional Adeus Ano Velho... Meu Deus, como somos pequenos neste mundo, pensamos quase que unicamente no bem estar de nossa família, na manutenção de nosso emprego, e isto nos deixa felizes. Nos hospitais, gente nasce, gente morre. Aquela gente dos hospitais, médicos, enfermeiros, enfim todos, não podem parar, para eles não tem feriado, Ano Novo, assim como para bombeiros, militares que socorrendo ou detendo, promovem nossa segurança e tranqüilidade. Vão-se os dias, os meses, o ano, e temos tantas pessoas a nossa disposição, sim senhor, para nos socorrer a qualquer momento. Obrigado a vocês, nobres profissionais que não fazem de seu trabalho um mero meio para se obter recursos, mas de suas vidas uma dedicação constante ao semelhante. Que Deus continue protegendo-os e que no Ano Novo toda a paz necessária ao bom desempenho de suas vidas seja alcançada. São tantas as dificuldades que assolam os lares, são tantas as tristezas pelo ausente, que fica um pouco difícil desejar um Feliz Ano Novo. Porém, a esperança não morre, a fé não acaba, então por que não acreditar no amanhã melhor? Se Deus quiser, e nós próprios contribuirmos com uma pequenina parcela, as dificuldades do mundo, ou mesmo de nosso País não serão totalmente resolvidas, porém amenizadas. Devemos ficar alertas. É mais fácil de perceber a solidão do próximo, as dificuldades são mais facilmente resolvidas. Então porque no Ano Novo não sejamos mais presentes? Não alteramos nossa forma de caridade? Ficam no ar as perguntas, e no papel este simples modo de pensar. Que ao lerem esta mensagem do Ano Novo, Deus esteja em vossos corações, iluminando suas mentes. Feliz Ano Novo! ( Ana Stoppa, 1982) Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 13/12/2010
Alterado em 04/03/2011 Copyright © 2010. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |