Acima de Qualquer Suspeita Euzébio um simpático senhor mulato perto dos sessenta anos de idade, todos os meses comparecia no escritório de sua advogada a fim de saber o andamento do processo que ingressara pleiteando a aposentadoria por invalidez. Muitas queixas - dores, “problemas na coluna” que alegava “travar” além da acentuada perda auditiva. Tudo confirmado com exames e laudos médicos ratificado por ocasião da perícia médica oficial. Transcorridos pouco mais de dois anos a decisão final – a perícia atestou estar o pobre senhor incapacitado para qualquer atividade que exigisse esforço ou que o expusesse a elevados níveis de pressão sonora. Deveriaser aposentado por invalidez. Todas as vezes que comparecia no escritório com ar simplório o franzino senhor, transbordando de bondade educadamente beijava a recepcionista, fazia um elogio para asecretária. Quando estava diante da advogada então fazia questão de demonstrar o amor pela família, a crença na palavra de Deus, repetindo muitas e muitas vezes que aqui tudo era passagem, que havia atendido ao chamado se tornando um servo de Deus. Por ser pessoa passava credibilidade era de modo habitual recebido com carinho por todos. Desde que ingressara com a demanda até receber enfim a esperada aposentadoria po r invalidez cinco anos transcorreram. Para ser mais exato, Euzébio havia completado sessenta e cinco anos em março. No final de maio do mesmo ano recebeu o primeiro pagamento. Demonstrando a costumeira simplicidade, em uma quinta-feira na parte da manhã foi de receber o primeiro pagamento. Cumprimentou todos com muito respeito. Como habitualmente fazia, reiterou a crença no chamado divino para ser um servo de Deus, beijou a todos, reprisou também os valores familiares, elogiou a esposa comquem se casara em segundas núpcias, muito mais jovem que ele, e os seis filhos - o mais novo então com oito anos de idade. No primeiro pagamento recebeu o equivalente a doze meses de seu salário mensal – os atrasados. Uma fortuna para Euzébio. Na sexta-feira pela manhã a esposa apreensiva telefona para a avogada a fim de saber se Euzébio havia comparecido o no escritório, pois não retornou para casa. Diante da negativa, a esposa desesperada procurou o Distrito Policial. Euzébio, ao sair do banco com o dinheiro da aposentadoria ao invés de retornar para casa, decidiu reviver a mocidade - os prazeres mundanos. Foi até a estação ferroviária, embarcou no primeiro trem com o propósito de comemorar a vitória. Saltou na estação da Luz em São Paulo, desembarcou do lado que dá acesso à Rua Mauá,conhecido ponto de prostituição. Antes, porém, segundo apurado posteriormente pela pericia do distrito, comprou uma cartela contendo os famosos comprimidos azuis para ter melhor performance. Nos bolsos de Euzébio intacto o dinheiro recebido, documentos pessoais e um cartão da advogada que o atendera. Mediante este cartão as autoridades entraram em contato. Coube a ela dar a trágica notícia para a família. Em um dos hotéis de curta permanência Euzébio ingressou ocompanhado, (segundo apurado posteriormente), de uma jovem aparentando não mais do que vinte anos de idade. Fez questão de tirar o monte de dinheiro do bolso na frente da recepcionista.. Pagou a estadia ou melhor o suposto curt periodo antecipado - Trinta e cinco reais. Passados não mais do que quinze minutos a jovem saiu apressadamente, desapareceu no meio da multidão. Euzébio falecera de mal súbito, sem realizar seu último desejo. O corpo vestido do mesmo modo que entrou no hotel - calça azul marinho desbotada, camiseta pólo surrada, um par de sapatos marrons. O cinto, a bíblia, a sacola de exames e relatórios médicos dos quais não se separava, o relógio de pulso e o comprovante da aposentadoria por invalidez na mesinha ao lado da cama impecavelmente arrumada. No chão, a cartela dos comprimidos azuis apontando a falta de três deles. Coube à viúva cuidar do velório. Nas longas horas em que o corpo foi velado sob o olhar da imprensa, dos irmãos da igreja, familiares e dezenas de curiosos, estes como se não o soubessem o motivo do óbito, a todo momento aproveitavam a hora dos pesames para perguntar ä viúva: De que mesmo ele morreu? No que esta, sentindo a dor maior de ser traída, se limitava a responder: - Como Euzébio mesmo falava, aqui tudo passagem e ele passou. Certo é que passou desta para melhor sem desfrutar a aposentadoria, sem ter o último deseja satisfeito. O simplório e bondoso homem que mantinha um discurso mais que na verdade queria ler em outra cartilha sucumbiu ao desejo de mostrar a virilidade no dia em que recebeu a aposentadoria por invalidez. A Perícia havia diagnosticado – Euzébio estava incapacitado para qualquer tipo de atividade. Porém, se esqueceu de apontar que os esforços para a performance sexual também seriam perigosos. O desejo falou mais alto. Aqui tudo é passagem. Euzébio passou. (Ana Stoppa) Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 24/01/2011
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