Ana Stoppa - Escritas, Versos & Reversos

Se não puder alcançar as estrelas agradeça a Deus por vê-las. (Ana Stoppa)

Textos

O Casaco Vermelho


                     Edileuza, quer vender-me este casaco?
                    
                     Perguntou Silvia para  a antiga conhecida, uma bela jovem contando  a época dos fatos  com os seus vinte anos de idade.
 
                     - Mas eu uso não quero me  desfazer-  respondeu a  moça  vestida com um suntuoso casaco de lã vermelho,  para  a   adolescente apaixonada pela peça.
 
                     Mesmo não estando à venda - insistiu a jovem, quando não  o quiser mais você me vende?
 
                    Está bem disse Edileusa, quando eu não quiser   mais   venderei  para você.
 
                     Na época  -  meados dos anos sessenta  não eram  comuns os brechós.
 
                    Somente as pessoas que se conheciam  faziam este    tipo de negócio.
 
                     Silvia uma adolescente  com quinze anos sonhava com  o tal do casaco vermelho.
 
                      Vivia se imaginando vestida com a peça, torcia  para  que a dona se desfizesse, queria curtir o inverno desfilando de casaco vermelho.
 
                       No final do ano, uma vez mais   se   encontrou com  Edileusa, quando perguntou sobre o casaco.
 
                       Olhe  Silvia , disse Edileusa, tem tanto tempo que   você me pede o casaco  que  resolvi  te fazer um  presente. 
 
                        Passa lá em casa amanhã, pois será minha folga – a  moça trabalhava como balconista em uma farmácia da capital.
 
                       Na manhã seguinte,  uma quarta-feira de dezembro,   logo cedo Silvia foi  em busca do   sonhado casaco de lã vermelho.
 
                        Seus olhos ficaram maravilhados!  Queria vesti-lo  e  sair desfilando para  mostrar a conquista da sonhada peça.
 
                       Por volta das quatro da tarde  chegou     em casa, carregando a peça, como se fosse   uma jóia rara.
 
                       Resolveu que sairia vestí-lo.
 
                       Nem se importou com o calor escaldante.
 
                       Súbito a   mãe,  viu a adolescente  feliz da vida sob o sol escaldante trajando o figurino carmim,                embora achasse um absurdo não disse uma palavra.
 
                       Os olhos da filha brilhavam  diante da conquista. 
 
                       O sonho era infinitamente maior do que o calor.
 
                      Súbito a adolescente aparece na sala  com ar de        festa transbordando a alegria, os termômetros   marcavam vinte e sete graus.
 
                       A mãe sem saber o que dizer para não estragar o   encantamento limitou-se a  perguntar:
 
                       - Vai sair minha filha?
 
                       Sim – disse  Silvia. Vou até o centro dar uma volta.
 
                       Residiam na periferia.
 
                       Ä época não havia transporte coletivo  do
bairro até
  o centro.
 
                        Lá se foi a adolescente,   feliz da vida.
 
                        Maquiada como quem iria para a mais nobre das  festas.
 
                         Combinando com o  pesado casaco de lã vermelho,  calçou o único par de sapatos possuía – branco de salto alto.
 
                        Caminhava feliz entre os pedriscos, estava  acima  da temperatura que o dia de verão oferecia.
 
                            Não enxergava ninguém, vivia o momento de extrema felicidade que o  cobiçado casaco  lhe proporcionava.
 
                            Chegando ao centro foi até  o  jardim na lateral da igreja matriz onde solitária ocupou um dos bancos.
 
                             Calada, admirava a paisagem, o movimento, as  pessoas.
 
                             Ficou assim por uma hora mais ou menos.
 
                             Repentinamente se levantou e  deu meia volta.
 
                             Pegou o caminho de casa sem dizer uma  palavra,    feliz com pelo passeio, irradiante  por vestir o casaco de lã vermelho sob o sol escaldante.
 
                           Ao chegar em casa tirou a  preciosa peça com cuidado como quem embala uma    criança.

                          Orgulhosa pendurou-a no apertado guarda-roupas.

 
                           A situação se repetiu por inúmeras vezes.
 
                          Pleno verão,  porém o frio da alma pedia o casaco de lã vermelho.
 
                          Passaram-se os anos.
 
                          A adolescente determinada achou o caminho  através da disciplina.
 
                          Hoje, na idade madura poderia ter dezenas de   casacos iguais aquele – e todos de grife.
 
                          Não se importa com isso.
 
                          Quando as portas da alma se abrem, as   lembranças vêm à tona.
 
                          Nunca se esqueceu do pesado casaco de lã vermelho,  que lhe deu tanta alegria,  naquela tarde de verão registrada na memória,  auge de sua adolescência.
                         
                                                              (Ana Stoppa)
     
                         
 
 
 
              
                                     
                            
 



Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 06/02/2011
Alterado em 16/06/2013
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