Meu Pai
Ao meu amado pai, Delphino Stoppa Piracicaba/SP, 20/02/24 Santo André/SP 03.07.1994
No entanto, na medida em que os anos transcorrem, crescemos e enxergamos que a vida é passageira, rápida. Experimentamos as perdas, a tristeza e o inconformismo, até que um belo dia nos enxergamos adultos com filhos e deveres e mil compromissos. Nos habituamos com as pessoas que nos amam, de tal forma que às vezes nos esquecemos de retribuir, uma simples chamada telefônica, um abraço, uma rápida visita. Os pais não nos cobram. E, com o passar dos anos, acomodam-se no sofá à espera dos filhos, que muitas vezes não vem... economizam passos, palavras, sorrisos, que surgem brilhantes quando chegam um dos seus. Às vezes a vida subtrai este tempo. Percebemos, que pouco sabemos dos nossos pais, como viveram a infância e a juventude, o que esperavam do futuro, quando crianças. Simplesmente porque não perguntamos, não acordamos a tempo para saber um pouco mais de suas histórias .O tempo é veloz, carrega sem que a gente perceba, aqueles que amamos. Um dia estaremos no mesmo caminho, por conta dos ciclos infindos da vida. Pai, domingo, festejaremos o Dia dos Pais. De repente me lembrei das missas, às procissões, de você cantando, tecendo redes, cuidando da horta, nos levando ao circo, às quermesses, do seu gosto por pescaria, passarinhos e música sertaneja. O menino lavrador, neto de imigrantes, nascido no Distrito de Santa Bárbara, interior de São Paulo, que com o tempo tornou-se um município, e de lá a família se mudou para São João da Boa Vista, chegou ao grande Abc com 18 anos. Trabalhou em grandes empresas. Nos anos 60, líder de solda, em uma indústria automobilística. Se reinventou inúmeras vezes, para superar as dificuldades. Foi motorista de caminhão, de coletivos e comerciante. Foi acima de tudo um grande pai! O tempo nos carregou para um futuro, que de tão rápido hoje mora no passado. Pai, “ Entre lágrimas”, uma de suas canções favoritas, me recordo, entre lágrimas...Belmonte e Amaraí “Se um dia eu chorar”/Ninguém vai saber por que/É meu modo de amar/É meu jeito de querer/Ninguém vai fazer juízo /Nem saber que estou sentindo/Tu verás o meu sorriso entre lágrimas caindo...”.. Você era triste, melancólico? Não deu tempo de perguntar... Sinto-me tão parecida com você, em vários aspectos. Hoje penso que sim, você era calado, pensava antes de falar, expressava-se através das canções... Todas as tardes quem quisesse encontrá-lo era só subir na escada de acesso ao campinho da chácara – você amava a natureza, o verde, a passarada, o canto das cigarras. Lá estava você com seu rádio de pilha e um monte de fita cassete ouvindo por horas as suas músicas preferidas. Outra coisa que te fazia feliz - recordar as pescarias. Você queria conhecer o pantanal, na época os sonhos eram grandes, mas os recursos poucos, não deu tempo... Além das brincadeiras com os netos, das canções, e de seu jeito reflexivo, você gostava da simplicidade, do silêncio, da serenidade. Mas contente mesmo você ficava quando eu dizia – hoje vou preparar um peixe para o senhor! Acho que lembrava as pescarias. Recordo-me, ainda quando criança, por volta dos quatro anos ou cinco aos de idade, quando acreditava em Papai Noel, você retornou do trabalho, às vésperas do Natal. Todas as tardes eram assim, nossa saudosa mãe, nos preparava para a sua chegada, e o jantar em família. Como os dias eram compridos! Na minha concepção de criança, parecida uma eternidade! Éramos três, eu a mais velha. Naquele dia, você voltou com duas caixas pequenas, uma para mim e a outra para a Li. Nelas, as bonequinhas vestidas com pantalonas verdes, sapatos brancos e blusa rosa. E eu, que havia colocado os sapatinhos na janela, descobri muito cedo que era você o Papai Noel! Após o jantar, quase todos os dias íamos para a casa dos seus pais. Enquanto os adultos proseavam, a criançada brincava! Na volta, você me carregava no colo. Quando chegou o primeiro neto, meu filho, você orgulhoso, todas as manhãs passeava com ele, na rua de terra batida, todo feliz, empurrando o jipe da lata vermelho. Em 1989, quando me formei em Direito, você não foi na formatura. Por que será? Acho que você não gostava de muita agitação, não é pai? Não tive tempo de lhe perguntar. No mesmo ano, me arrisquei no mundo das letras, neste ofício que a minha alma dita, e que tanto amo! Lançamento de meu primeiro livro – poesias, “Diagnóstico”. Na noite de lançamento, nossa família em peso! Em dado momento, chame-o em um canto, em meio à solenidade e lhe disse: .- Pai, todo mundo diz que quem leva o nome do pai é o filho, porque a mulher quando se casa, acrescenta o sobrenome do marido. Era o ano de 1994, a 02 de julho. Por conta de um AVC, você estava hospitalizado. meu segundo filho, completava treze anos. Antes da festa simples, fui rapidamente lhe fazer uma visita. Você estava sereno, conversamos. Ficamos juntos por poucos momentos, eu não poderia prever que seria nosso último contato. Com o tempo, você ficou bastante emotivo, era a segunda ou terceira vez que a aquela doença o levava para o hospital. Comentei sobre o aniversário, que seria no dia mesmo, lá em casa. Então, você pais, com dificuldades me pediu para dar os parabéns ao Thiago. Beijei a sua testa, senti o sal das lágrimas. Você apertou minha mão direita, ainda o toque, como se fosse ontem. Ainda vejo o seu olhar, umedecido, como se fosse agora! Quando estava de saída, você me acenou, foi a nossa despedida. Lá em casa, depois do bolo, uma amiga evangélica, pianista, quando comentamos sobre a sua saúde, falou sobre a transitoriedade da vida. Em seguida, sentou-se no banquinho do órgão, enquanto tocava um hino, cantava a canção.... Me lembro das primeiras palavras da letra, em meio ao silêncio que ronda esta madrugada de sábado, 12 de agosto... ”O fim de tudo chegará/um dia na vida”... Na madrugada, acordei com o telefone tocando. Antes de atender, senti que você havia partido. Na medida em que me recordo dos fatos. Ouço uma das suas canções favoritas, - “ Entre lágrimas”, de Belmonte e Amaraí - “Se um dia eu chorar”/Ninguém vai saber por que/É meu modo de amar/É meu jeito de querer/Ninguém vai fazer juízo /Nem saber que estou sentindo/Tu verás o meu sorriso entre lágrimas caindo”...” Sinto uma saudade imensa, meu grande exemplo de vida! Não deu tempo de te dizer isso também! Nunca me separei de você, e cada dia que passa, estamos mais próximos do reencontro! Neste Dia dos Pais, te escrevo para falar do meu amor e da saudade, na esperança do nosso reencontro, e de que, aqueles que leem esta homenagem, possam estar próximos de seus pais, abraçar, perguntar, amar, agradecer, valorizar. Pai, você, não é nome de rua, e pelo tempo que estivemos juntos, você nem aceitaria. O essencial é ser bom, acreditar no amor, nas pessoas, estender as mãos, ser amigo e solidário. Isso você me disse, através de exemplos. Sigo, na minha imperfeição de ser humano em construção, seguindo os seus passos. Olhe por mim, por nós, pelos seus! Os pais quando partem continuam cuidando dos filhos...
Na minha imperfeição de ser humano em construção, carrego apenas os bons momentos! Eu te amarei até a eternidade! Sua filha, Ana Maria, (como você me chamava). Ana Stoppa. Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 20/02/2011
Alterado em 12/08/2023 |