Ana Stoppa - Escritas, Versos & Reversos

Se não puder alcançar as estrelas agradeça a Deus por vê-las. (Ana Stoppa)

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A repentina ascensão profissional proporcionara-lhe muitas benesses.

Adulação a primeira delas – ficou elegante, bonito, refinado, imbatível.

Resultado imediato do vil  metal  para os adeptos
do ter.

Carro do ano,  viagens,  mudança  repentina do estilo.

Tornaram-no  aparentemente irreconhecível.

O ditado popular,  no sentido de que mais do que
quinze minutos de glória para o ser humano acaba
por prejudicá-lo,  vestiu como uma luva o novo rico.

Dentre outras conquistas nesta nova etapa achou-se
no direito de ser absolutamente livre.

Descartou esposa, filhos, até o nome do cachorro
de estimação  - o  Joca,   adotado há mais de dez
anos  demonstrava ter esquecido.

Se existe algo tremendamente justo este é o tempo,
que indiferente  às posses segue o  curso rumo
ao caminho de volta – destino de todos neste existir efêmero.

Já havia passado da quinta década de vida quando resolveu  voltar à Universidade.

Como que se nos bancos acadêmicos ensinassem a
  viver em sintonia com os preceitos ensinados pelo Criador.

O retorno deixou-o ainda mais deslumbrado.

Assumiu o Diretório Acadêmico, tornou-se uma
espécie de guru para os jovens -  a bola da vez.

Todos o achavam o máximo, pois aprendera
como ninguém a usar a máscara da simplicidade.

Passava horas após o término das aulas compartilhando o conhecimento.

A família ia muito bem, obrigada.

Passou a chegar tarde, tornou-se monossilábico.

O pouco tempo que ficava em casa isolava-se à
portas fechadas no computador sob o pretexto de
que precisava estudar.

Os filhos quase não o viam.

Coube à esposa suprir a ausência cada vez mais
amiúde, ainda que à revelia.

Isto porque além do trabalho, continuava com a responsabilidade financeira.

A nova condição não lhe beneficiara.

Narcisista passava horas no demorado banho, como
se cada dia houvesse uma festa para comparecer.

Passou a chegar tarde,  a ocupar  o  canto da cama
sem dizer  uma palavra.

No segundo semestre, situação insuportável -
derrocada da família por conta da indiferença.

Mais de uma vez  dormiu fora de casa. Retornava
no dia seguinte como se nada houvesse acontecido.

Estava apaixonado – confidenciara a um amigo.

Sentia-se jovem,  vigoroso, a vida transbordando por todos os poros.

Dias mais tarde a  aventura sentenciou o que seria em breve espaço de tempo a razão das lágrimas.

No outono,  chegou repentinamente mais cedo em casa, sexta feira.

- Mariana quero falar com você.

A esposa  estranhou a busca do diálogo, há tanto
tempo não se falavam.

- Mariana,  quero a separação!

- Alfredo,  vamos conversar.

Estamos juntos há tantos anos, nosso casamento
foi desejado,  nós nos amamos  estamos apenas atravessando uma fase, não descarte a nossa
felicidade deste modo.

- Mariana,  estou saindo de casa agora !

Amanhã  retorno para pegar os meus pertences.

Mariana estática perdeu a fala.

Alfredo sequer mencionou o motivo, falava como
se fossem apenas os dois, seuqer citou os filhos.

Mais do que isso, quando Mariana tentou entender  indagando se Alfredo desistira ouviu simplesmente...

- Perfeitamente  arrume um advogado marque o dia
que eu assino...

Em menos  de dois meses Mariana deixou a casa,
acordo compulsório.

Logo soube através da  “rádio notícias alheias” ,
que dois dias após sua saída Alfredo levara "a outra" para casa.

Mariana entregou-se ao trabalho a mais não poder
para superar o rompimento abrupto -  mais de três décadas de união.

Paulatinamente acostumou-se com a ideia, deu a
volta por cima, redescobriu  o amor próprio.

Comentário geral na região sobre a péssima “troca”.

Alfredo ao despertar do soro ofídico da paixão percebera o grande equívoco.

Até porque não se constrói felicidade sobre a infelicidade do semelhante.

Em outras palavras, o abandono afetivo dos filhos
e a dispensa da esposa,  resultaram  em  grande sofrimento.

Enquanto  isso  Alfredo desfilava em público com seu
“novo amor”.

Não demorou   a realidade veio à tona,   os escritos
nas páginas do livro da vida jamais se apagam, 
tampouco se consegue arrancar ou descartar.

Alfredo percebera o equívoco, descobrira o
quando amava a esposa, o quanto sua família era importante.

Percebera o  mal fizera para si mesmo.

Viu-se repentinamente cercado de todo conforto material, altas somas bancárias, viagens, passeios,
finais de semana no campo.

Aquilo com o decorrer do tempo perdeu por completo
o significado.

A  outrora súbita paixão passou a incomodá-lo.

Definitivamente vivera apenas uma aventura na
qual fora   “laçado”.

O  vazio acompanhado da angústia imensa tomou
conta de todos os espaços da  casa que  outrora abrigava sua família.

Alucinado ouvia a voz da esposa, o filho que simplesmente abandonara  tocando guitarra, o
 latido do Joca.

Cerrava os olhos via o sorriso da esposa,  a generosidade, o alto astral.

Lágrimas silenciosas rolavam.

Delirava sentindo  o perfume dela, o aroma no
leito, o gosto do beijo.

Ao  abrir os olhos lá estava “a outra”.

Para alguns amigos admitiu o erro.

Envelheceu anos  em pouco tempo.

Armou-se de coragem saiu em busca do grande
amor de sua vida.

Pediu perdão, implorou a volta, assumiu o erro.

Mariana pediu um tempo, a dor a fortalecera.

Ponderou.

Na semana seguinte decidira reconstruir a
felicidade, pois  amava-o.

Depois, ele estava tão mudado...

Enfrentou  todos os medos, resolvera dar-se uma  segunda chance.

Marcaram   o  encontro.

Ao chegar Alfredo mal a cumprimentou.

- Alfredo, o que houve?

Você me parece tão estranho...

- Mariana fica o dito por não dito, preciso
esquecer você!

- Como Alfredo?

Mariana  jamais deixarei de   te amar, peço a
Deus todos os dias para que me ensine a te esquecer,  mais meu coração diz ser impossível.

Irene adoeceu, não posso abandoná-la, vivemos uma relação de companheirismo, nada mais.

Não deu tempo para o café.

Mariana emudeceu, sentiu o chão lhe faltar.

Agarrou-se no amor próprio para não desmontar.

Não deu tempo para despedidas, até porque esta jamais existiu entre ambos.

Ao deixar o recinto com os olhos rasos d'água e a voz embargada Alfredo beijou-a na face, no lado esquerdo o mesmo do primeiro beijo, para balbuciar em seguida... 

Mariana, eu te amo!


(Ana Stoppa)

 


Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 21/08/2012
Alterado em 21/08/2012
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