O Homem do Realejo
Dia destes fecharam o lava rápido do lado de casa. Estava há dias buscando um novo estabelecimento
para dar uma geral no carro. Sexta à tarde indicaram-me um local na região central da cidade. Decidi que no sábado logo cedo iria até o local. Lá chegando o atendente informou-me que poderia retirar o veículo perto do horário do almoço. Ao invés de retornar para casa resolvi ir a pé até a principal via de comércio, a mesma que tanto caminhei quando menina ao lado de minha amada mãe. No segundo quarteirão ouvi um som musical delicado que contrastava com o caminhar agitado das pessoas - o realejo!, As lembranças despertaram como que por magia quando vi o homem manuseando o velho realejo com seu periquito verde vendendo os bilhetinhos da sorte. Passei direto, para em seguida retornar e me permitir viver aquele momento. Que linda melodia! O simpático vendedor da sorte, um homem de baixa estatura, sorriso largo, meio franzino, olhos azuis iguais contas de vidro e sotaque nordestino disse-me: - Moça, vai querer que Pedrinho veja a sua sorte? Referindo-se ao periquitinho verde. - Preste atenção Pedrinho capricha para a moça.... - Faz tempo que o senhor trabalha com Realejo moço? Já perdi a conta moça, gosto deste trabalho viu, já andei por tanta das cidades, já conheci tanta da gente... E o senhor gosta deste trabalho? - “Vixi” se gosto moça! “Apois” meu prazer é ver quando Pedrinho acerta... Em minutos umas 5 pessoas ouviam nosso diálogo. - Bem eu ainda não lhe disse, pois sou o Zé do Realejo e este é o Pedrinho.... - Bacana seu trabalho, o realejo tem o som dos sonhos... Acho que ele não entendeu bem, mas foi o que veio à minha mente enquanto observava a minúscula casinha da ave, farta de alimentos coma portinhola entreaberta. Na frente a caixinha com o papeis multicoloridos da sorte. Cada bilhete 2 reais. Como não dispunha de trocado, peguei uma nota de 10 reais. - Quero um bilhete! - Pedrinho, preste atenção! Capriche para a moça, pegue a sorte! Obediente Pedrinho foi até a caixinha, retirou um bilhete verde. “Bora” dar beijinho antes de entregar pra moça Pedrinho que é pra dar mais sorte à ela. O beijinho no caso era a picotada na lateral do bilhetinho ainda dobrado. Em seguida entregou-me - um pensamento. - Moça Pedrinho não erra, tome atenção na mensagem.... Ao abrir percebi que o texto não era dos mais motivadores . Quando guardava a mensagem Zé indagou-me: - A moça não tem trocado? “Pois então, pegue mais uma sorte” com Pedrinho! - “Vamu” lá Pedrinho arrebenta agora.... Tão simpático o homem do realejo - o sorriso franco e a amabilidade faziam valer o momento. O mundo carece de pessoas assim – gentis, educadas, atenciosas, que trabalhem com amor. Concordei com o próximo bilhete. Zé acionou a manivela, novamente a canção. Abriu cuidadosamente a portinhola da minúscula gaiola com grades amarelas já desgastadas pelo tempo para que Pedrinho fizesse as vezes de cartomante. Após o beijo de Pedrinho Zé entregou-me o bilhete r osa – era Sorte, dizia sobre o amor. - Não disse moça que Pedrinho sabe o que faz? Pelo sorriso sei que gostou! Quer mais um ? - Não Zé, estou contente com estes dois. Fique com o troco, Feliz Ano Novo! - Obrigada moça pelo bom princípio antecipado, em seguida tocou uma melodia ao tempo em que fazia a propaganda para os transeuntes apressados – Sorte! Sorte! Sorte... Pedrinho sabe de tudo, venham tirar suas sortes, encontrem o amor, a fortuna, a felicidade... Fiquei alguns minutos observando aquele trabalho – quanta simplicidade, quanta pureza, quanto sonho... Ficaria ali muito tempo ouvindo o realejo, vendo Pedrinho na minúscula gaiola de ferro pintada um amarelo gasto pelo tempo, observando a alegria de Zé no trabalho desempenhado com tanta simpatia e dedicação. Quanto aos textos dos bilhetes, aos quais reproduzo na foto, guardei para rever toda vez que sentir saudades do som do realejo. Sobre os números de loteria sugeridos – 6450 no bilhete verde e 0867 no rosa desconsiderei. Pensando bem para que riqueza material se os melhores bens não conquistamos com o dinheiro... O Pedrinho arrebenta - estrela deste bucólico mundo de sonhos. Como o som do realejo que arrebenta as suaves ondas da infância na doce praia chamada saudade. (Ana Stoppa) Ana Stoppa
Enviado por Ana Stoppa em 31/12/2012
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